O menino e o vô
Rosângela Trajano Para vô Sebastião, in memoriam. Em uma casa moravam um menino, os pais e o vô. Os pais o menino quase não via. O vô era só abrir os olhos e ele estava ali à sua frente, sempre, sempre. – Pai, você me conta uma história? – Ah, filho, pede ao vô. O vô do menino contava as mais belas histórias de navios piratas, extraterrestres e dragões bravos. O vô conhecia até o mundo das bruxas. – Mãe, me ensina a desenhar uma galinha? – Ah, filho, eu não sei desenhar! Peça ao vô. Lá se ia o menino correndo atrás do vô para desenhar-lhe uma galinha. Os desenhos do vô eram os mais bonitos do mundo. As galinhas do vô eram gigantes e felizes. O vô desenhava como ninguém! – Pai, me ajuda no dever de casa? – Hoje não, filho. Estou tão cansado! Peça ao vô. O vô sentava-se à mesa com o menino e o ajudava a fazer as continhas de matemática, a encontrar uma cidade no mapa do Brasil e ensinava-lhe a procurar as palavras no dicionário de português. – Mãe, vamos passear no parque? – Hoje, filho? Não posso. Hoje é segunda-feira, dia de trabalhar. Chame o vô. Sim, o vô passava as tardes inteiras no parque brincando com o menino. Era impressionante a sua alegria e vigor. Na casa, o local que o vô mais gostava de ficar era a biblioteca. – Vô, você já leu todos esses livros? O vô balançou a cabeça dizendo que sim com um leve sorriso. E o menino abriu a boca espantado. – Por isso você sabe de tudo, né vô? Tranquilo o vô pegou o menino e o colocou no colo. Pegou as duas mãozinhas do menino com os dedos levantados para cima e colocou junto delas a sua mão direita juntando o polegar como dedo indicador, num formato de zero. – Cem anos? O vô balançou a cabeça afirmativamente. – Cem anos é muita coisa! Então você já sabe tudo! O menino saiu correndo e de volta trouxe uma caixa. Começou a montar o seu trenzinho. O vô ficou a olhar com curiosidade. Foi quando o menino perguntou se ele queria brincar também, mas o vô disse que não sabia montar trenzinhos. – Não sabe? O vô novamente balançou a cabeça afirmando que não. – Em cem anos você nunca montou um trenzinho de brinquedo? De novo, o vô balançou a cabeça dizendo que não. – Vô, senta aqui. Vou te ensinar a montar um trenzinho. Pela primeira vez o menino pôde ensinar algo ao seu vô e descobriu que apesar da muita idade a gente sempre precisa aprender algo. No dia da festa de Natal os pais do menino fizeram um jantar e convidaram toda a família: tios, primas e padrinhos. Era quase meia-noite e o menino esperava ansioso por Papai Noel. À meia-noite em ponto entrou pela janela um velhinho já conhecido do menino que fez todo o mundo rir: – Assim não vale, papai, o menino já sabe que você é o vô. – Quem já viu um Papai Noel sem barba? – Nunca vi um Papai Noel sem barriga! – Que Papai Noel mais sem graça! O menino sem dizer palavra alguma aproximou-se do vô e disse: – Ele não é o vô! Ele é o Papai Noel! O vô abraçou o menino, entregou seu presente e partiu dizendo: – Ho, ho, ho! Feliz Natal para todos! Logo depois o menino falou: – O vô bem que podia estar aqui! Acho que ele nunca viu um Papai Noel! Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 12/10/2019
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