Rosângela Trajano

Nasce uma estrela sempre que se escreve uma poesia

Textos

A velha casa
Rosângela Trajano

A nossa velha casa guardava memórias da minha infância, porém hoje não existe mais. Na velha casa eu brinquei de bonecas de pano e aprendi a fazer chapéus de papelão para a criançada usar no carnaval. Era uma casa simples com uma calçada enorme para a rua onde a gente sentava para brincar, conversar, jogar e namorar.
Na velha casa deu cupim no telhado certa vez e ele quase veio abaixo numa madrugada chuvosa. Acordamos com o barulho da linha de madeira principal da casa partindo ao meio. Mamãe nos colocou no quintal, no meio da chuva, era o lugar mais seguro para ficarmos naquela madrugada e foi chamar o meu irmão para dá um jeito na linha. Particularmente, desde criança sempre travei uma luta com os cupins. Eles comeram o meu cajueiro e agora estavam comendo o telhado da minha casa. Na velha casa também tinha uma cozinha com paredes de azulejo onde as pessoas podiam deixar mensagens. Era tão lindo! Tinha cada mensagem bonita!
Da velha casa lembro-me bem do meu quarto pequenino com uma cama de solteiro, sem janelas, e uma telha de vidro onde os passarinhos vinham brincar nas manhãs de outono. Por que não consigo esquecer da velha casa? Acho que ela tem muito de mim. Foi o lugar onde nasci e cresci. Aquela calçada onde durante quinze anos contei histórias para a garotada, nela sentou-se muita gente de vários lugares, era o lugar preferido por seu Expedito quando bebia, era o lugar que as crianças gostavam de brincar de tudo. A velha casa tinha uma espécie de encanto que nunca descobrirei qual sua fada madrinha. Era uma calçada alta com cerâmica marrom. Até festa de aniversário comemoramos nela.
A velha casa tinha um quintal cheio de plantas e animais. Foi lá onde conquistei o meu primeiro amigo: o cajueiro. Tinha um pé de manga, dois de coqueiro e muitas galinhas. As coisas foram mudando aos poucos na velha casa. Primeiro, o quintal ficou pequeno com a construção de um puxadinho. Foram derrubadas as árvores. O quintal ficou pequeno. Só o cajueiro não foi morto pelo machado, morreu de morte natural, os cupins o comeram aos poucos.
No meu quarto da velha casa tinha uma goteira em cima da minha cabeça e quando chovia eu colocava um guarda-chuva para não me molhar. Aliás, tinham goteiras por todos os cantos da casa. Era um deus nos acuda quando chovia na velha casa. Mamãe se levantava na madrugada para fazer buracos no quintal e assim a chuva não entrar dentro de casa. A nossa casa não tinha beco e só tinha uma janela que era no quarto de mamãe. As paredes do quarto de mamãe eram feias e velhas. O reboco caía um pouco todos os dias. Para quem não conhecia os segredos da nossa casa ela não passava de uma casa velha e feia, muito feia.
Com uns tempos as paredes da nossa velha casa começaram a rachar, pois o seu alicerce foi feito de areia com pedrinhas. Não tinha estrutura para suportar longos anos de vida. Todos achavam a nossa velha casa feinha, mas era o melhor lugar do mundo para se morar. Tinha cerâmica marrom na parede da frente com um portãozinho de ferro de flores. Mamãe colocava uma tela preta para os gatos não entrarem na pequena varanda. A nossa velha casa era quente e desconfortável, as cores das paredes eram sem graça e estavam mofadas.
A nossa velha casa era o meu lugar no mundo. Se eu pudesse ela nunca teria sido derrubada. Hoje choro de saudades da velha casa onde fui feliz demais.
Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 13/10/2019


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras