A menina e o carrinho de compras
Há coisa que não podemos ignorar, cruzar os braços, fechar os olhos, ficar assistindo como se fosse uma cena de novela ou simplesmente não interrogar o porquê. Cenas que nos roubam a atenção e nos levam a uma reflexão sobre um dos maiores problemas brasileiros da atualidade: as crianças de rua.
Era uma manhã de sábado ensolarada. Estava num supermercado de uma cidade grande, na minha rotina de sempre: o corre-corre desesperado, o vício de está sempre olhando para o relógio, as reclamações do intenso calor e principalmente da tarefa de fazer compras. O pior dia para mim era o de ir ao supermercado. Enquanto as minhas amigas estavam tomando chá, conversando, escovando os cabelos ou fazendo as unhas, eu estava ali naquele supermercado cheio de gente comprando: cebola, sabão, detergente, biscoito etc. Apesar de tudo isso, ainda não fui corrompida pelo egoísmo, hipocrisia e ambição. Também ainda não perdi meu senso de observadora e parei para olhar uma menina que empurrava um carrinho de compras toda sorridente. O que mais despertou a minha curiosidade foi a quantidade de produtos que ela colocava no carrinho. Olhei para os lados e percebi que ela estava sozinha. Resolvi me aproximar dela e isso lhe causou um grande susto, principalmente quando perguntei pela sua mãe. Não imagino o que pensou que eu fosse, só sei que apressou-se em dizer que sua mãe estava lhe esperando de frente ao supermercado, no carro, e que já era acostumada a fazer as compras sozinha. A mãe dela não gostava de fazer compras. Achei intrigante aquela história, mas não cabia a mim interrogar aquele rostinho meigo e risonho que pareceu-me muito feliz por está ali. Hoje em dia é tão comum vermos crianças fazendo tarefas de adultos. Parecia que o destino não queria tirar aquela menina do meu caminho. Várias foram às vezes em que a reencontrei recolhendo tudo o que via nas prateleiras. No seu carrinho de compras não cabia mais nada. Num desses reencontros brinquei com ela, dizendo: “Puxa! Quanta coisa, heim?” E ela novamente fez questão de dizer: “Mamãe está lá fora, vai pagar tudo.” Terminei minhas compras. Respirei aliviada. Dirigi-me ao caixa. À minha frente a menina com um carro cheio de produtos. Foi passando cada coisa bem devagar. Quando terminou de passar tudo a moça do caixa disse o valor das compras. Ela coçou o nariz, cruzou os braços e disse: “Eu não tenho dinheiro.” A moça do caixa chamou o segurança do supermercado. Um brutamontes com um vozeirão mandou a menina retirar-se dali o mais rápido possível. Antes da menina sair eu a chamei. De frente para mim com um jeitinho assustado perguntei por que fez aquilo. Ela me disse que estava brincando de fazer compras. Um dia, teria dinheiro para comprar tudo o que gostava de comer. Perguntei onde ela morava. Ela me respondeu que não tinha casa. Morava nas ruas. Pediu-me um pacote de biscoitos recheado de morango e um refrigerante. Eu lhe dei o biscoito desejado. Sorriu para mim e desapareceu, correndo. Sem perceber deixei-me ser tomada por uma emoção forte, vieram algumas lágrimas aos meus olhos e meu coração ficou apertado. Procurei seus olhinhos tristes, mas já estava do outro lado da rua. Agi daquela forma porque senti necessidade daquele sorriso que me conquistou, daquele olhar ingênuo e daquele sonho. Porque eu tão viva, tão bem amada, vivia inventando algo para reclamar da vida e lembrei-me de como entrei irritada no supermercado naquele dia, por motivos tão banais, e agora saía feliz.
Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 13/10/2019
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