Natal, 18 de junho de 1993.
Carta à menininha azul. Querida menininha, Como está você? Sinto saudades. A minha vida não tem sido nada fácil nos últimos dois meses. Estive doente. Sinto-me doente de um não querer outro dia em mim. Como era bom quando você vinha me ver nas manhãs de outono. Estou sentada embaixo do cajueiro onde você gosta tanto de ficar. Ainda há pouco tomei uma xícara de café quentinho. É tarde de primavera. Os sabiás cantam nos galhos das árvores e o mundo parece adormecido com o silêncio que se faz presente agora. Tudo é flor. Menininha, conte-me o que tem feito. Da última vez que estivemos juntas você me falou que estava criando um cachorrinho. Como vai ele? Os cachorros são bons companheiros, diferentes de algumas pessoas que vez por outra nos machucam. Eu tenho feito coisas pequenas, pois a minha coluna já não aguenta mais tanto esforço físico. Nesses últimos dias plantei tomates na minha horta. Gosto do vermelho dos tomates. Ah! Por falar em vermelho lembrei-me de que estava com um vestido vermelho no nosso último encontro! Quando você vier me visitar da próxima vez farei uma torta de tomates para comermos! É bem verdade que tomates vermelhos cicatrizam as feridas do coração, se é assim, meu coração estará saudável, em breve. Sabe, menininha, viver sozinha é uma coisa esquisita como esquisito é dormir e sonhar com quem está longe. A gente fica ouvindo o som do nada, e ele chega pela manhã cedo assim que nos acordamos. O nada que me envolve o dia inteiro e me arrebata a alma como um sopro bravo arrebata os girassóis do meu jardim. Estou necessitando muito do seu abraço de menina que gosta de brincar de ursinhos. Ontem estava lendo um livro de poesias de Fernando Pessoa e me encheu de dúvidas o amanhã. Será mesmo que verei a penúltima estrela do amanhã? E se eu acordar tarde demais, menininha? E se eu dormir para sempre? Para esquecer esses pensamentos que me tomam as tardes quentes de verão costumo costurar as minhas meias furadas. Agora preciso ir. Mande-me notícias. Tenho que preparar o jantar para uma pessoa só. Como é triste sentar-me à mesa sozinha todas às noites! E lembrar que em anos passados a casa era cheia de cupins que se metamorfosearam gente em mim. Um abraço, Rosângela Trajano. Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 10/01/2020
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