A menina dos cem gatos
A menina criava cem gatos Que encontrava pelas ruas Gatos pretos e amarelos Em noites de duas luas Nos varais vestidos belos Que vestiam as árvores suas. A menina morava numa casa Com quarto, sala e banheiro Uma cozinha com fogão Ali não havia chuveiro Só cabia mais uma mesa Pendurado um candeeiro. Os gatos espalhados pela casa Miavam em cima do telhado Fazendo a canção da noite Queriam beber leite de gado Estavam com a barriga vazia Chegava às estrelas o miado. Cada gato tinha uma mania Era preciso um a um ouvir A menina sabia a história De cada gato a dormir Um tinha medo da sombra O outro sempre a querer sorrir. Os gatos pretos sofriam mais Levavam na cabeça vassouradas Chegavam em casa feridos Suas vidas eram marcadas Pelo preconceito exacerbado Das pessoas malvadas. A menina pegou um gato Na calçada da igreja à noitinha Depois pegou mais um na praça E assim foi juntando a turminha De gatos e gatinhas risonhos Que se deitavam na redinha. Mas como criar cem gatos Numa casa pequenina Onde só tem uma porta E uma travessa menina De olhar meio torto Que uma pipa empina. Era preciso dinheiro Para comprar ração E leite também Apesar de no coração Caber cem gatinhos Só tinha água e feijão. A menina juntava latinhas Para vender na esquina Ao homem da reciclagem Comprava farinha fina E uma ração barata Calçada com uma botina. Como pode criar cem gatos Deve ter pelo por todo canto E um cheiro horrível de bicho Diziam as pessoas sem encanto Que não amavam gatos Nem tinham amor, portanto. Os vizinhos reclamavam Daquele barulho de gato A noite inteira no telhado E até dentro do sapato Havia gatos por todo lado Até na gaveta do prato. A menina amava seus gatos Eram a sua companhia Quando estava sozinha E a noite zumbia Tinha o miado dos gatos E assim os ouvia. Um dia chegou um homem Dizendo fazer o bem Queria um gato pra cuidar Não tinha ninguém A menina quis até dar Mas apareceu outro alguém. A menina ficou desconfiada Aquele povo de repente Quis criar os seus gatinhos Era um estranha gente Que nem sabia se amar Estava sempre ausente. A menina descobriu Que queriam lhe tirar Os seus gatos de casa Levarem para outro lugar Distante do seu bairro Ouviu a vizinha a falar. E a menina chorou muito Abriu um bocão tremendo Ficou febril e doente Estava ali convivendo Com gente sem amigos Que iam tudo perdendo. A menina dos cem gatos Foi falar com o curandeiro Precisava de um conselho Sem tanto dinheiro Mais gatos não podia criar Aquele era o derradeiro. O curandeiro achou estranho A conversa da menina Ora queria se desfazer Daquilo que lhe fascina Ora chorava em demasia Feito trem com buzina. Seus gatos eram a alegria Daquela velha casa E melodia assustada Feito xícara sem asa Eles a decoravam Igual bolo de quem casa. A menina tinha gatos No colo e no pescoço Na cabeça e nos pés Era um grande alvoroço Os gatos miando atrás dela Enquanto comia o seu almoço. A menina ficou a pensar Era necessário fazer Alguma coisa para cuidar Dos cem gatos a ver Comprar pente e xampu Essas coisas não podia ter. Já era bem difícil Comprar um quilo de ração Sem dinheiro no bolso Apenas amor no coração A menina na cama dormia Um gato lambia a sua mão. E os gatos resolveram Uma tarde de primavera Saírem pelas ruas da vila Pintando o céu com aquarela Reivindicando mais respeito Dos vizinhos para com ela. Só que acabaram arranjando Para a menina um problema O povo com ela se revoltou E agora tinha um dilema Ou se mudava ou ficava Sem de Rita a alfazema. A menina dos cem gatos Subiu o morro descabelada Queria ver lá de cima Uma cidade com enxada Onde pudesse cavar Um buraco de nonada. Só queria guardar As suas ideias tortas Como quem guarda Salada, peixe e portas Ou como quem come As frutas das tortas. A menina dos cem gatos Atrapalhada parecia Com o seu pensamento Que nunca dormia Nem descansava a priori Uma casa maior queria. Um dia apareceu um homem Que parecia vir do céu Tinha asas nas costas E usava de luz um chapéu Tinha comida e morada Eles não ficariam ao léu. A menina ficou boquiaberta Como levar cem gatos Para morar num pensionato Lá havia muitos ratos Disse o homem tranquilo Seremos bastante gratos. A menina dos cem gatos Não quis se desfazer Dos seus gatinhos Ainda mais a saber Que iam comer ratos Era melhor morrer. Então, a menina agradeceu Ao homem gentil e bondoso Que andava com um cajado Parecia mais um idoso Vestido de batina branca Mostrou ser cuidadoso. A menina pensou melhor Vou meus gatos emprestar A esse velhinho amigo Assim Deus vai me ajudar Não ficarei preocupada Com o que os alimentar. Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 11/01/2020
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