Rosângela Trajano

Nasce uma estrela sempre que se escreve uma poesia

Textos


O menino do bem - Tercetos

Ele levava
Nas costas
A feira de dona Maria
 
Criava uma galinha
Que cacarejava
À sua vizinha
 
Comia um pedaço
De melancia
A outra dava ao irmão
 
Rezava baixinho
Para o mundo
Ser melhor
 
Gostava de visitar
Velhinhos nos abrigos
Da sua cidadezinha
 
Cuidava da horta
De seu Francisco
Quando ele chorava
 
Nunca se cansava
De pedir a Deus
Saúde pro seu cãozinho

Perdoava o amigo
Que lhe batia
Na volta da escola
 
Comprava dois sorvetes
Um pra si
Outro pro amiguinho
 
Descia a escadaria
Da sua favela
Para pegar água à dona Maria
 
Dava o recado
Assim apressado
De dona Cema
 
Nunca falava
Palavrões
Apenas palavrinhas: fé
 
Juntava o lixo
Das avenidas
Da cidade grande
 
Sabia como ninguém
Fazer sorrir
O homem enraivado

Era medroso
Mas quando rezava
Ficava corajoso
 
Sonhava com aves
Presas em gaiolas
Pela manhã as soltava
 
Tinha dois corações
Um batia rápido
O outro só dormia
 
Ouvia a mamãe
Cabisbaixo
Levava bronca
 
Nunca respondia
Aos seus pais
O livro bem lia
 
Confessava seus pecados
Ao bom padre
Levava leite para ele
 
Levava bolo
Quentinho
À vovozinha

Gostava de ajudar
Pessoas carentes
Dando-lhes pijamas
 
Nunca esquecia
De agradecer
A quem o ajudava
 
Saía de casa
Ao meio-dia
Para ajudar o padeiro
 
Andava quilômetros
Para regar
Sua plantinha
 
Corria a favela
Para avisar
Do fogo no barraco
 
Andava à procurar
Tanajuras para doar
Ao pedinte faminto
 
Nunca se cansava
De ajudar
A faxineira da escola
 
Sorriso de janelinha
À sua vizinha
Que cortava as bolas
 
Cócegas fazia
Nos pés da irmã
Para sua dor passar
 
Era tímido
Mas tecia ao pescador
Redes de pescar
 
Carne não comia
Preferia ovos
Bichos sofrem
 
Limpava o carro
Do advogado
Sem cobrar um trocado
 
Cortava o cabelo
Da velhinha
Que não tinha dinheiro
 
Fazia bordados
Com dona Maria
Vendia na feira
 
Não tinha dúvidas
O seu amor
Doava à flor
 
Ainda chovendo
De frio se tremendo
Ia comprar o pão
 
Dizia aos seus pais
Que a gente deve
Amar muito mais
 
Quando a professora
Cansada sentava
Ele o quadro limpava
 
Tarde da noite
Contava histórias
À irmã com insônia
 
Pedaço de queijo
Levava ao pedreiro
Todas as tardes
 
Ensinava a lição
De matemática
Ao mais velho irmão

Fazia curativos
Nos bichinhos
Da sua casa
 
Tomava banho
Com pouca água
Para não gastar demais
 
Ajudava a mamãe
Lavar a louça
Do jantar
 
Costurava as camisas
Do time de futebol
Onde jogava bola
 
Do tamanho de nada
Louvava ao Senhor
Em cânticos gloriosos
 
Nunca mexia
Nos fósforos
Era cuidadoso
 
Esperava o carro
Do lixo passar
Ao gari cumprimentava
 
No circo de lona
Ajudou o palhaço
A se maquiar
 
No ônibus cheio
Dava seu lugar
Ao bom velhinho
 
Retira lixo
Dos rios
Com uma pazinha
 
Conversa
Com as aves
Mortas no chão
 
Determinado
Alcança
A paz mundial
 
Há estrelas
Que precisam
Do carinho dele
 
Em risinhos
Meigos
Acaricia o vento

Suas bolhinhas
De sabão
Penteiam corações maus
 
Seus desenhos
Gatos sem olhos
Alegram os anjinhos
 
Faz dormir
Assustado gatinho
Com o seu carinho
 
Com o seu papai
Dava banho nos gatos
Depois os enxugava
 
Todo domingo
Visitava os enfermos
Do hospital da sua cidade
 
Nas suas preces
Pedia à Nossa Senhora
A cura da sua mãe
 
Escrevia cartinhas
Ao homem das montanhas
Cheias de florzinhas

Quando a sua vaquinha
Mugia na chuva
Ele a levava pro quarto
 
Era tristonho
Na reunião
De família
 
Magrinho
Caroço de feijão
Vomitava
 
Ficava no escuro
Olhando o céu
Pela janela
 
Brincava sozinho
Com sua bola
Não tinha alegria
 
Tinha uma perna
Deficiente
Sofria
Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 27/07/2020
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras