Rosângela Trajano

Nasce uma estrela sempre que se escreve uma poesia

Textos


A poesia minimalista: o poetrix
Todos somos poetas. Nascemos poetas. Alguns tornam-se poetas ao longo dos anos, mas se prestarmos bem atenção as crianças desde a tenra idade fazem lindas poesias com os seus porquês e mundos povoados com a imaginação. A poesia está nas esquinas das ruelas, no canto dos pássaros, no miado de um gato, no cheiro do café quentinho... tem gente que vê poesia em tudo. E isso é bom para alimentarmos as nossas almas de música, teatro, dança, literatura e tantas outras expressões artísticas porque como dizia Platão a poesia é o conjunto de todas as artes, por isso somos inspirados divinamente pelas deusas da poesia. No diálogo Íon de Platão a inspiração das deusas fica bem explicada quando Íon nos conta como ocorre a sua inspiração, leitura recomendada a todos os amantes da poesia.
Dizer muito em poucas linhas. Ser sucinto. Parar de fazer rodeios para dizer o necessário. Conheço pessoas que escrevem poesias longas e isso às vezes torna a leitura cansativa e perde a sua essência no meio dos versos. A poesia seria boa se fosse um pouco minimalista e sempre bem trabalhada depois da inspiração. É preciso ir ao objetivo da poesia dizendo bem pouco. Alguns fazem isso com maestria, outros nem tanto. O exercício da escrita minimalista nos ajuda a exercitarmos o nosso pensar, a elaborar bem os nossos argumentos e ideias. Aqueles que não sabem escrever pouco e dizer muito acabam se perdendo até mesmo numa prova de redação onde temos cerca de vinte e cinco a trinta linhas para escrevermos com técnica os nossos argumentos e muitas vezes apresentarmos uma solução. Assim é a prova do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Conheço alunos que começaram a escrever as suas redações e quando perceberam já tinham escrito quase vinte e cinco linhas sem conseguirem esboçar quase nada do que pensavam, pois não exercitaram na escola como dizer muito em poucas linhas.
A poesia minimalista exige técnica do poeta e bom raciocínio lógico. Não será fácil traçar os primeiros versos no papel. Será necessário aprender antes de tudo a ser múltiplo e conciso. Também se fará necessário, em alguns, casos que saiba contar as sílabas métricas. Nesse estilo poético, ganhamos passagem para uma hermenêutica talvez mais racional do que emotiva, no entanto sem perder as suas vestes poéticas, afinal poesia e razão também andam juntas. Poderíamos aqui falar do haikai, mas vamos dar espaço ao nosso amado poetrix, criado pelo baiano Goulart Gomes. No poetrix, temos apenas trinta sílabas poéticas para expormos as nossas ideias. Parece muito? Para alguns isso é bem difícil! No meu começo sofri um bocado, pois era acostumada a escrever longas poesias. Nunca pensei que escrever pouco pudesse dizer o que eu desejava, mas foi na arte da escrita do poetrix onde aprendi que a poesia minimalista nos ensina a nesses tempos líquidos como conceituava o sociólogo Zygmunt Bauman sermos rápidos e precisos em tudo o que fazemos.
Na “Poética do devaneio” de Gaston Bachelard, ele fala de uma poesia que desperta a imaginação. Dos sonhos e devaneios como formas de pensar e imaginar mundos. Essa é a verdadeira razão da poesia, fazer o leitor usar a sua imaginação para sair dessa realidade difícil que nos faz parecermos bobos em frente a tantas atividades e afazeres. A poesia minimalista está nos sonhos e devaneios do leitor, pois na sua multiplicidade e visibilidade consegue em seus poucos versos sair do óbvio, explorar a imaginação, povoar o pensamento de estações onde o trem está sempre cheio de imagens 3D.
O poetrix segue as “Seis propostas para o nosso milênio” de Ítalo Calvino que são: a leveza, a rapidez, a exatidão, a visibilidade e a multiplicidade. Quem não sabe ser leve no que diz jamais conseguirá ser um bom poeta, ficará apenas escrevendo versos cheios de palavras que não conseguem nos dizer nada, se é que a poesia, é para dizer alguma coisa. Como já falei acima vivemos tempos em que a rapidez se faz presente em tudo o que fazemos, por isso devemos ser rápidos no que queremos dizer. Sermos exatos e irmos logo ao nosso objeto sem rodeios. A visibilidade que seria a arte de criar imagens no pensar do leitor a partir da sua escrita e por último a multiplicidade que importa na abrangência de muitas imagens textuais ou ilustrativas criadas a partir da leitura do poetrix. Se você, leitor, sentir-se amigo dessas seis propostas é convidado a tornar-se um poetrixta. A escrita do poetrix exige técnicas que podem ser aprendidas aos poucos, só com o passar dos anos que é possível usar todas as seis propostas acima citadas.
Quero deter-me aqui na rapidez das ideias passadas pelo poetrix. É como se fosse o enxugamento daquele monte de coisas que escrevemos em duas ou quatro páginas, agora precisamos escrever em apenas três versos. Não é verdade que as pessoas não gostam de ler. Temos bons leitores. Os livros continuam a ser vendidos apesar de termos mudado de físico para digital. O problema é que as pessoas não têm mais tempo para longas horas de leitura, por isso o escritor ou poeta deve ser rápido no que quer dizer, mínimo, preciso. A exatidão deve ser clara. No poetrix é assim. O poetrixta é exato no que diz. Ele vai direto ao seu objetivo em três versos de no máximo trinta sílabas poéticas. Ninguém mais tem tempo de ler textos longos e com falácias que nada conseguem dizer.
Ao começar a escrever poetrix você verá o quanto a sua escrita se tornará enxuta, argumentos mais elaborados, ideias bem explicadas, a exploração de múltiplas imagens nos versos. Não se torna um bom poetrixta da noite para o dia, é preciso exercitar muito o seu pensar poético. Escrever o poetrix e pendurá-lo no varal da sala para sempre que passar por ele darmos uma olhadinha no que ainda é preciso fazer para torná-lo melhor. Por fim convido você a conhecer esse estilo poético que já ganhou o mundo e invadiu grupos de poesias e a Internet, o "poetrix". Faço parte de um grupo intitulado Ciranda Poetrix que respira o fazer poético diariamente. Venha juntar-se ao nosso grupo e tornar a sua escrita clara e objetiva.
 
BIBLIOGRAFIA:
 
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2018.
 
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
 
PLATÃO. Íon. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 04/08/2020
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