Rosângela Trajano

Nasce uma estrela sempre que se escreve uma poesia

Textos


O menino e o palhaço

Era uma vez um palhaço chamado Faísca. Era dono de um circo pequenino. Com uma lona velhinha e tábuas pregadas umas nas outras para o público sentar. 
A única atração do circo do palhaço Faísca era ele e um gato preto que miava cumprimentando o público. Só isso fazia a alegria de um menino esperto por demais. Sim, a plateia do circo se resumia num único menino e mais ninguém.
As crianças diziam que o circo era ruim, que o palhaço Faísca não sabia fazer palhaçadas, que não tinha mágicos e nem trapezistas. Isso não é um circo! Mas, o menino nunca desistiu de ir ao circo ver o palhaço Faísca. E todos os dias pagava uma moedinha para assistir o espetáculo mais bonito que já tinha visto em toda sua vida.
O palhaço Faísca se preparava todo para receber o menino. Ele não sabia por que fazia aquilo. Talvez o menino merecesse. Talvez gostasse daquele menino por demais. Também tinha que ter espetáculo no circo, pois o espetáculo nunca pode parar.
Acontece que um dia o palhaço Faísca recebeu uma visita inesperada. Um homem de gravata e sapatos pretos trouxe-lhe uns papéis para fechar o circo, pois não tinha condições de funcionar. A lona estava toda rasgada e a bancada não oferecia segurança ao público.
O palhaço Faísca sentou-se numa pedra meio tristonho porque sabia ser verdade tudo aquilo que tinha escrito no papel entregue pelo homem sério. Caso não reformasse o circo num prazo de quinze dias ele seria interditado. Ali mesmo chorou.
De repente, o menino apareceu e tomou um susto ao ver o melhor palhaço do mundo chorando. O menino achou estranho. Olhou mais e mais para o palhaço. Levou as mãos à boca como gesto de espanto. O palhaço chorava de verdade.
- Por que você está chorando?
- Não estou chorando, menino. Foi um cisco que caiu no meu olho. Só isso.
- Ah! Tá bom! Porque palhaço nunca chora. Palhaço só sorri.
O menino disse aquilo para enganar o palhaço Faísca, pois no fundo sabia que ele chorava de verdade.
- Você está soluçando, também?
- Não! Não é nada! Vá para casa e volte na hora do espetáculo!
O menino obedeceu ao palhaço, mas sabia que algo estava errado. Quando passava diante da entrada do circo viu uma placa e curioso foi ler o que dizia.
- I - N - T - E - R - D - I - T - A - D - O! Que palavra difícil. O que quer dizer isso?
O menino correu para casa cheio de curiosidade. Assim que abriu a porta da sua casa foi logo perguntando a mamãe quase sem conseguir respirar e pronunciar a palavra de tão cansado que estava
- Interditado significa fechado.
- Fechado para sempre, mamãe?
- Depende! Acho que não! Do que se trata?
O menino não quis dizer a mamãe que era o seu circo, porque ela achava aquele circo muito feio e o palhaço sem graça. A mamãe dizia que num circo tem que ter mágicos e trapezistas além de outras atrações. E que o palhaço Faísca só sabia fazer o povo sorrir com as suas palhaçadas.
- E isso é pouco?
Perguntava o menino, curioso. Para ele fazer alguém sorrir em tempos difícieis onde as pessoas só vivem de cara fechada umas para as outras devia ser muito complicado.
O menino voltou correndo para falar com o palhaço Faísca. Insistiu em saber o motivo do seu choro e o palhaço achou que o seu público devia saber do acontecido, mesmo que aquele público fosse apenas um menininho de nada.
Então, o menino teve uma brilhante ideia. Ele era bastante criativo. Tinha ideias para tudo. Correu para a rádio local e falou com o locutor.
- O que você quer mesmo?
- Um anúncio sobre o circo. Diga que aqui tem um palhaço diferente de todos os outros.
- O que aquele palhaço feioso tem de diferente, menino? 
- Você nunca viu! Ninguém viu mesmo! Só eu vi!
- E o que o faz diferente dos outros palhaços?
- Não posso contar! Você tem que descobrir sozinho! Pode anunciar que sábado terá espetáculo com um palhaço diferente?
- Posso, sim! Mas isso não vai trazer ninguém para o circo.
O locutor fez um anúncio bem bonito no seu programa da rádio que era transmitido para o mundo inteiro. Como o menino pedira e como ficou curioso para descobrir o que o palhaço Faísca tinha de diferente dos demais palhaços o locutor convidou todas as crianças para assistirem ao espetáculo do próximo sábado.
O menino rezou para que viesse muitas crianças ver o espetáculo de Faísca, assim ele conseguiria o dinheiro para reformar o seu circo. Mas como colocar muitas crianças no circo de forma que não se machucassem?, pensou o menino.
Assim que o dia amanheceu ele foi falar com o homem de sapatos pretos e pediu autorização para liberar o circo só mais uma vez.
- É perigoso! Tem que ter cuidado! As crianças podem cair e se machucarem!
- Ninguém vai cair! Eu prometo!
- O que vai fazer então?
- Todo mundo vai sentar no chão!
- Tudo bem! Está liberado para o sábado! Depois interdito até reformarem.
- Muito obrigado, senhor!
No sábado, conforme o menino pediu a Deus, formou-se uma fila de crianças de frente a bilheteria do circo. Foi o maior público de um espetáculo já visto no mundo inteiro. Eram crianças de todos os lugares do mundo. Elas queriam saber o que aquele palhaço tinha de diferente dos demais palhaços.
Faísca ficou assustado ao ver tantas crianças. E quando soube do anúncio do locutor ficou preocupado, pois não se achava diferente dos outros palhaços. A única diferença é que era pobre e não tinha dinheiro sequer para comprar roupas novas e se apresentava há mais de vinte anos com a mesma roupa. Foi falar com o menino.
- Por que inventou que sou um palhaço diferente?
- Você não se acha diferente dos outros palhaços?
- Não! Todos os palhaços são iguais e fazem a mesma coisa. Brincam e fazem as crianças sorrirem.
- Eu acho que você é diferente. E as demais crianças também vão achar.
O espetáculo começou bem na hora informada. O palhaço Faísca estava apreensivo e nervoso. Não sabia nem o que fazer para alegrar a criançada. Dentro de si veio uma vozinha que dizia
- Faça-as sorrirem! Só isso!
E assim começou o seu espetáculo brincando com as centenas de crianças. No final, foi bastante aplaudio. As crianças gritavam para ele, acenavam, aplaudiam contentes. Emocionado começou a chorar e chorou muito. De forma que as crianças bateram mais palmas para ele. E percebeu que a diferença dele para os demais palhaços é que sabia chorar, também, porque dizem às crianças que palhaços não choram.
- Viu como eu disse que você era diferente?
- Na verdade a minha vida inteira eu fui um chorão. Aprendi a sorrir para alegrar as crianças. Mas todas as noites choro de tristeza por ver o mundo tão doente.
O menino e o palhaço Faísca se abraçaram e choraram bem muito de alegria. Acredito que no mundo não existe nenhum palhaço chorão igual a Faísca.

 
Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 20/08/2020
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