esqueci o lugar do refúgio
deixei nele algumas mãos que nunca tocaram as pedras como gosto de tocá-las se há nas pedras um pouco do tanto que quis ser um dia também há dor porque eu tão sonhadora desejei alcançar céus surdos e para eles eu cantava nunca plantei na terra dissabores vi toda gente a passar na minha janela como um sol que vai dormir cedo essa gente que desenhou séculos no meu olhar cheio de arquétipos emigrantes de um seio esquerdo fui atrás da estrela Úrsula e beijei sua psique num monte onde o nada é meio tudo do que transborda em mim não, eu não quis ser a senhora da vitrine escolhi ser a fechadura de uma porta que nunca se abrirá ao acaso despi minha boca de neologismos em preto e branco A canção de ninar de Bethoven levou embora a velha canoa... num sono heróico ela desceu o rio trouxe comigo a coragem de nascer mulher mais uma vez quando o mal feriu o bem quem dera retornar à manjedoura de Jesus Cristo e renascer com ele os ossos que guardo no baú gritam uma esperança doída vou passear no cemitério para conversar com os mortos enquanto sinto a vida pulsar no peito um cacho de uva dou ao jovem belo no Banquete de Platão porque a beleza segue além daquilo que enxergo com a alma sim, é preciso deixar a serpente mostrar o pecado aos deuses e deus sou carne que a terra comerá o fósforo molhado acendeu nisso surge a serenidade de quem sabe costurar cuidados em ventres inférteis reis e rainhas engolem porcos eu engulo teu cheiro que nunca senti... nunca senti... teu cheiro... cheiro... sentir é viver sem paredes aos olhos do gigante Adamastor roubou de Ícaro o sonho de voar na minha epopeia escuto os urubus... no mangue a gente vira habitat de qualquer coisa... eu sou o tropo que desagua no poema noturno... eu sou a mãe do teu poema Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 11/06/2021
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