Sim, amanhã faço aniversário
Antigamente isso era motivo de muita festa e alegria Mas hoje nos meus quase cinquenta anos já não sinto tanta felicidade A casa velha veio abaixo e junto com ela todas as minhas memórias da infância Os meus dragões moravam lá Não sei o que quero ganhar da vida amanhã e talvez o tanto que eu saiba seja o suficiente para encher a minha alma de dor e tristeza Melhor esquecer... melhor nem existir amanhã para não esperar pelas flores que nunca virão... sim, as flores... elas sabem bem falar Sim, porque o que desejo ganhar é coisa impossível aos olhos meus pensamentos doídos e decapitados pela acusação alheia de nada mais valer a pena o que faço... não importa ao acaso se vou ou volto a esta casa de ninguém que habito Converso com Deus, com os pássaros e com os vaga-lumes que ainda me visitam à noitinha... tenho saudades de ser a menina medrosa que ontem sonhava ser bem grande E crescer fez de mim uma mulher cheia de angústias e ausências... perdi todas as horas dos anos passados para a ingratidão da senhorinha que se diz maravilhosa vida Não, eu não tenho alegrias para comemorar aniversário... deixaram dentro de mim um vazio tão profundo que a pedra nunca encontrará o seu final Apesar de tudo eu tenho meus sonhos que ainda não foram cortados com tesoura de papel por nenhum adulto carrancudo Desses sonhos alimento o meu viver... há dias que levantar da cama é quase impossível, mas penso que posso perder um sonho na esquina se não o fizer e esforço-me para sair do meu quarto Sim, senhores e senhoras, só os sonhos me dizem que estou viva porque ontem fui visitar meus ossos no cemitério perto da minha casa No dia dos meus anos que será amanhã quero um tanto da embriaguez do bêbado da esquina que diz tolices à lua cheia... quem sabe eu possa viver a loucura somente neste dia... e ser louca é trocar de roupa diante da chuva do meio-dia Amanhã... somente amanhã falem comigo de aniversários... talvez eu me lembre dos dias em que a minha casa se enchia de amigos e amigas para festejar a alegria de estar viva... somente amanhã Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 17/06/2021
Alterado em 17/06/2021 Copyright © 2021. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |