A menina do vestido malfeito

Rosângela Trajano

A mamãe levou a menina à costureira numa tarde quente de verão. Antes pediu:

- Seja boazinha para com dona Maria. Ela sempre faz um precinho especial para gente.

- Tá bom, mamãe! Eu sempre sou boazinha!

- Nada disso! Às vezes você fica de birra e só quer que eu atenda as suas vontades! Procure se comportar nas casas alheias, filha. Você já é uma mocinha.

- Eu não! O papai vive dizendo que eu sou a menininha mais linda que ele já viu! Ainda sou uma menininha, mamãe.

- Ok! Sem discussão! Vamos pegar o ônibus que já está vindo aí!

As duas subiram no ônibus e foram em silêncio para a casa da costureira que ficava do outro lado da cidade.

Chegando lá, foram recebidas com muito carinho e fizeram um lanche. Depois foi a hora de experimentar o vestido que a mamãe mandou costurar para o batismo da menina

- Está lindo! E você? O que achou, filha?

- Comprido demais e apertado demais! Estou quase sem respirar, mamãe! Tire logo este vestido de mim!

- Nossa! Que menina mal-educada!

- Desculpe-me, dona Maria. Às vezes ela diz umas coisas que eu nem acredito que são dela. A minha filha é muito bem criada por mim e pelo seu pai.

- E estes pontos tortos?

- É que eu perdi meus óculos, sua abusada!

- Por que não pediu os da mamãe emprestado? Ela empresta para todo o mundo! Até para o médico ela já os emprestou porque ele não conseguia localizar onde doía, não foi, mamãe?

- Fique quieta, filha! Você já falou demais por hoje!

- Óculos não se emprestam! Sua mãe sabe disso mais do que eu!

- Filho malcriado dá nisso! Desobediência e falta de respeito para com os mais velhos! Que menina chata!

- Me chama de chata e não vê que mais do eu é ela!

- Cale a boca, filha! E diga o que achou do vestido de verdade!

- Eu achei horrível, mamãe! Tirem este vestido de mim, logo! Ele está me sufocando!

- Horrível é você, menina abusada! Se soubesse o trabalho que me deu para costurar este vestido sem óculos e sem energia em casa!

- Calma, filha! Dona Maria já vai tirar!

Foi preciso as duas mulheres puxarem o vestido do corpo da menina. Realmente ele estava muito apertado, mas dona Maria não aceitou a reclamação da menina malcriada e bateu o pé que a sua costura estava bem-feita e que não mexeria um dedo a mais no vestido.

- A senhora vai querer que eu vista este vestido assim?

- Assim como, menina chata?

- A minha filha não é chata! Está sendo sincera, dona Maria!

- Querem saber de uma coisa? Eu não aturo crianças birrentas! Vão embora daqui as duas, mas antes paguem a minha costura!

- Filha, peça desculpas à dona Maria.

- Eu não, mamãe! Ela me ofendeu me chamando de mal-educada e chata! Quem não quer ouvir não faz por onde. Vamos embora, mamãe! Deixe esse vestido velho aí!

- Cobrei bem baratinho a costura e não quero ficar no prejuízo! O vestido está lindo! É só a menina emagrecer uns cinco quilos e ele vai caber nela direitinho!

- Não dá para folgar, dona Maria?

- Não sobrou tecido, senhora!

- Tome! Isso pagará o seu trabalho! Vamos, filha!

- Mamãe, vai levar o vestido para quê?

- Você faz uma dieta e ele acaba ficando folgado, filha.

- Não! Não e Não! Eu só como frutas e saladas de legumes! O que vão querer que eu coma agora? O vento? É só o que não engorda assim diz a titia que diz só comer vento para ter o corpo magrinho do jeito do dela. E vento não tem sabor de nada! Eca! Deve ser muito ruim!

- Corte a maçã, a melancia e as uvinhas! Pronto! Vai emagrecer e poderá vestir o vestido!

- Não quero mais vestidos e nem roupa nenhuma! Vou me batizar nua!!!! Do jeito que estou naquela foto de quando nasci!

- Deixe de ser mal-educada, menina chata!

A menina estirou a língua para dona Maria, a costureira, e saiu de dentro da casa pegando o caminho de volta para o ponto de ônibus. A mamãe foi atrás com o chinelo nas mãos para dar-lhe umas boas chineladas e ensinar-lhe a se comportar direito diante das pessoas estranhas.

- Quem já viu uma menina tão mal-educada?

- Ela aprendeu a ser sincera demais, dona Maria, mas dessa vez passou dos limites. Merece umas chineladas!

A menina merece mesmo umas chineladas, criançada? Ou a gente deve mentir mesmo quando não está gostando de algo só para agradar quem está por perto? Digam para mim, por gentileza.