Rosângela Trajano

Nasce uma estrela sempre que se escreve uma poesia

Textos


O menino da funerária

Rosângela Trajano

Para Jean Sartief, o verdadeiro menino da funerária

 

Era uma vez um menino em situação de rua que passava pelas casas, vendas, lojas e comércios pedindo um prato de comida ou um pedaço de pão:

- Olá, menino! O que você quer?

- Qualquer coisa, senhor!

- Dou casa e comida se você me ajudar na funerária! E ainda cuidarei de você como se fosse meu filho!

- Tem morto?

- Toda funerária tem gente morta e gente viva! Tem mais mortos é claro senão eu não vou ganhar dinheiro!

- E o que eu preciso fazer, senhor?

- Ajudar aos clientes dando-lhes água quando começarem a chorar pelos seus mortos.

O menino pensou que aquilo não seria um trabalho, pois não receberia dinheiro por ele apenas casa e comida, logo podia aceitar. Sim, porque criança não trabalha já haviam lhe falado aquilo milhões de vezes. Ele só não entendia como poderia viver uma criança em situação de rua sem fazer nada o dia inteiro, apenas brincando, se nem vontade de brincar existe em quem tem fome.

- Aceito, senhor! Só para dar água às pessoas é coisa fácil.

O menino passou a ajudar o homem da funerária que vendia muitos caixões e tinha muitos clientes. Ele não pensou que fosse tão difícil ajudá-lo. Passava o dia correndo para encher copos e mais copos de água para os clientes que não paravam de chorar os seus mortos.

Para compensar a ajuda que recebia do menino o homem comprou uma camisa e um calção novos para ele que ficou todo feliz com o presente!

Certo dia, chegou uma cliente bem pobrezinha na funerária:

- Eu só tenho o dinheiro para comprar o caixão, moço!

- E as flores? E a mortalha? Não vai comprar nada?

- Não posso, moço! Sou pobre! Estou devendo a Deus e ao mundo!

- E o morto vai se enterrar com qual roupa?

- Nu! Ele não tem roupa que preste! É tudo farrapo.

O menino vendo aquela mulher chorar ofereceu-lhe um copo de água. Ela tomou cinco copos de uma vez só, mas não parava de chorar pelo seu marido ter que se enterrar nu do jeito que nasceu:

- Senhora, não chore! Eu tenho uma solução!

- Você? Você é apenas uma criança! Como pode me ajudar?

- Seu marido é grande ou pequeno?

- Ele é baixinho! Quase do seu tamanho, menino! Você já é bem crescidinho, não é mesmo?

De repente, sem pestanejar, o menino tirou o calção e a camisa novas ficando só de cuecas e deu para a mulher:

- Tome! Vista o seu marido morto! Ele não vai se enterrar sem roupas!

- Nossa, menino! Que gesto bonito! E você vai ficar só de cuecas?

- Eu compro outra roupa para ele, senhora! Pode levar a roupa que o menino está lhe dando! Ele está praticando uma boa ação!

A mulher pegou o calção e a camisa do menino e abraçou contra o seu corpo:

- Eu também posso ir colher algumas flores pela cidade se me deixarem para o seu marido morto.

- Não precisa! Eu mesma faço isso, garoto! Você já ajudou demais!

- Não, menino! As flores eu dou!

- O senhor não vai ter prejuízo, moço?

- O menino já nos deu uma grande lição, senhora! Vamos pegar as flores e escolher o caixão do seu marido!

A mulher abriu um sorriso e parou de chorar. Ela abraçou o menino que ficou todo tímido e contente também por ter ajudado uma pessoa que tanto merecia.

Você também já tirou a sua roupa do corpo para ajudar alguém? Você faria isso?

 

Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 14/02/2023
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